era um comentário..

(esta resposta era para ser apenas um comentário, mas cresceu tanto que me apeteceu fazer dele uma publicação)

cara rita.

está desculpada. se não considerasse a possibilidade de intrusão, não permitiria comentários.

agora ao que interessa: estamos a falar dos poemas, dos intérpretes, da rita, do hugo ou do espectáculo?

1. os poemas. afirmo desde já que não tenho particular afinidade com a arte da poesia. não sou um conhecedor, nem hábil no discurso em torno dela. menos afinidade tenho ainda com a poesia utilizada neste espectáculo, de um autor que não conheço bem (conheço apenas alguns excertos colocados nos autocarros e os poemas trabalhados no 'jornalista da vossa beleza'). se gostei deles ou não, não é aqui assunto considerado. nunca opinei publicamente sobre essa área e quero continuar a não o fazer. as minhas críticas seriam as mesmas se o espectáculo utilizasse textos do christopher marlowe (de quem sou assumidamente fã) do josé saramago ou do antónio aleixo. espero assim que fique claro que em relação a este assunto, nunca me pronunciei nem o farei. assim sendo, e citando a rita, não questiono a maior ou menor magnificência dos poemas. consigo perceber as pessoas que os consideram sublimes. consigo perceber as pessoas que os consideram infelizes. eu, como os considero apenas texto, não me inclino nem para um lado, nem para outro, e fico muito quietinho no meu canto.

2. os intérpretes. neste ponto, a questão é mais delicada. tentei já deixar claro que não questiono o empenho, esforço e dedicação dos mesmos. se não fui claro suficiente, repito: não questiono, muito pelo contrário, tenho a certeza que houve empenho, esforço e privação pessoal por parte dos intérpretes para que fosse possível algo acontecer. e se ambos concordamos ao considerá-los amadores e genuínos (porque sim, rita, concordo que eles tenham sido extremamente genuínos, e sim, rita, extremamente amadores), o mesmo já não consigo fazer em relação ao facto de considerar que as 4 pessoas que estiveram no palco do auditório do tUM fossem mais que isso. e aqui surge o meu primeiro e principal foco de irritação, bem patente no meu primeiro texto.

as 4 pessoas em causa não fazem parte de um grupo de junta de freguesia que se junta cada quinze dias para fazer uma coisa engraçada para mostrar pelo período do natal. as 4 pessoas em causa fazem parte de um grupo que, não sendo profissional, nem tendo que o ser, passou por uma formação remunerada (ainda que apenas de iniciação) que acontece no seio de toda uma estrutura associativa de pessoas com mais experiência, mais ‘savoir faire’, que têm como obrigação ampará-las e permitir que elas não se exponham mais do que aquilo que efectivamente têm capacidade de sustentar. podem chamar-lhe direcção, podem chamar-lhe orientação, podem chamar-lhe mestria. mas não podem negar a existência dessas pessoas. porque se esse apoio não existir, temos como resultado o que foi flagrante no ‘jornalista da vossa beleza’ – 4 pessoas que podem até se ter esforçado e dedicado sobre-humanamente para um espectáculo, mas cujos resultados não são satisfatórios. e isto, tendo obviamente a validade da opinião, perde-a na necessidade de questionar de forma crua e séria toda a forma de avaliação de um projecto artístico.

repito por palavras mais simples: um actor dedicado e empenhado é sinónimo de um bom actor? certamente, são características essenciais, mas a relação empenho/qualidade não é directa. implica também capacidade de adquirir ferramentas essenciais para trabalho em palco, e capacidade de as utilizar. vou mais longe e peço, porque não o consigo fazer sozinho, que me mostrem, sem margem de dúvida, a versatilidade, o despojamento e o arrojo dos 4 intérpretes. porque eu não as vi. vi uma pessoa extremamente doce e com um potencial imenso para trabalhar as ferramentas de que falo (salvo erro, a andreia dantas), e vi 3 pessoas com claros problemas no que diz respeito à interpretação, que não considero menos desmerecedoras ou hábeis, mas que não me tocaram sequer enquanto potência.

e custa-me muito pensar na satisfação do dever cumprido que eles devem sentir. porque considero que o dever não foi cumprido e há muito trabalho a desenvolver.

3. a rita. chego a um ponto em que me obrigo a questionar a capacidade de entendimento que pode surgir deste discurso. e isto, porque desconheço a rita. e não sei se temos capacidade de nos entendermos e de perceber o que estamos aqui a falar. sei que acompanha o tUM há algum tempo, mas não sei há quanto tempo e que trabalhos viu ou não viu. não sei se sabe quem é o romeo castellucci e se concorda comigo ao considerar que toda a gente deve ter a oportunidade de ver pelo menos um espectáculo dele. não sei se acha piada às bombas debaixo das cadeiras do antonin artaud. não sei se concorda que os figurantes foi a melhor encenação do leque de trabalhos que vi do ricardo pais (que foram poucos, confesso). não sei se sabe quem é o antónio durães, o pedro almendra, o nuno m cardoso. ou se saber é importante.

espero que não considere este ponto 3. insultuoso. apenas serve para reflectir sobre o facto de termos referências distintas e isso legitimar discursos distintos. e por isso, rita, não vou ‘rectificar as minhas palavras’ (nem as suas) porque isso, sim, seria mediocridade.

4. o hugo. o hugo (que sou eu, claro!) é alguém muito curioso, que está neste momento numa fase muito estranha pois acha que das duas uma – ou perdeu a noção de realidade, ou a realidade perdeu a sua própria noção. e depois encontra senhores como o zizek, o dyer, ou a kawase, e acha que afinal a realidade é real, e está tudo bem, e as pessoas podem continuar os seus percursos.

a saber que tem uma história com o tUM e que considerou importante afastar-se das actividades do tUM por não concordar com algumas opções, mas defendendo sempre que as mesmas eram legítimas. mas, de repente, do nada, apercebe-se que essas opções ou os afastamentos (o que está ainda por descobrir) estão a ter consequências muito alarmantes e que por isso devem ser pensadas em voz alta. se, eventualmente, aperceber que está errado, será o primeiro a reconhecer o erro. mas como já não é uma criança, e já anda nestes meandros há alguns anos, tem a perfeita noção que não estará muito longe da realidade. foi ver o espectáculo ‘o jornalista da vossa beleza’ depois de não ver muita coisa do tUM e ficou surpreso. apeteceu-lhe fazer o que faz com a poesia e ficar quietinho no seu canto, mas ficou cativado pela energia da andreia dantas e sentiu que, se não por si mesmo, ou pelo seminarista que encontrou e que não gostou do espectáculo, pelo menos por ela seria persistente em compreender estas questões. e está genuinamente interessado em percebê-las.

5. o espectáculo. sobre este, não há mais nada a dizer. eu e a rita discordamos. eu acho o espectáculo medíocre. a rita acha o espectáculo sublime. somos os dois rudes numa primeira defesa do que acreditamos, mas certamente somos civilizados ao ponto de conseguirmos ultrapassar essa rudeza. fico contente que tenha gostado do espectáculo. eu fico triste de ter detestado.

espero que esta dissecação tenha tornado o que defendo claro e que permita a construção de um discurso saudável e construtivo. não me apetece perder tempo a corrigir as opiniões dos outros. apetece-me, isso sim, percebê-las e aprender com elas.

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