olhar para trás com os olhos da frente - parte 4 (externo)


'tu e eu somos como eu e tu'
há pessoas de quem não me recordo conhecer por causa da maldição do nevoeiro. a c. é uma delas.
a maldição do nevoeiro é a herança do nosso tetra-tetra-tetra-tetra-avô s., que se perdeu em terras secas. desde então, a maldição obriga.me a esquecer as coisas antigas para que eu tenha espaço onde acreditar em coisas novas. quanto mais me tento recordar de como foi, mais nublada a memória fica. e chego ao ponto de nem me recordar quando foi, onde foi, com quem foi. chego ao ponto de acreditar que foi sempre. que as coisas não tiveram início. são imortais ao contrário, isto é, sempre existiram até que vão morrer comigo. um óbito sem parto - é assim que a maldição do nevoeiro atua.
c. é uma delas. não sei quando nasceu. foi.me sempre viva. não foi sempre minha, eu sei, mas foi sempre dos meus, o que atesta que foi imortal sempre, antes de ser imortal e minha. mas sei que, ao ser minha, perdeu a imortalidade em troca de ser, e por isso caminhamos, passo a passo, para o fim. vamos, gradualmente, saindo do nevoeiro, vendo com clareza quem somos, como somos, quais os detalhes de cada um. mais mortais e mais claros. a clareza de ver em troca da imortalidade. conhecer tem um preço. e estamos os dois dispostos a pagá.lo.
e como reflexos um do outro em frente a um espelho anti.maldição, revemo.nos e entendemo.nos em confronto. a esquerda de um é a direita do outro. o cima de um é o baixo do outro. o eu e o tu trocam de lugar enquanto nos vemos. e o nevoeiro desaparece. pouco a pouco, vamos vendo os contornos de nós mesmos nos contornos do outro.
'eu e tu somos como tu e eu'

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